MORTALIDADE POR ASMA EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES: UMA CAUSA DE MORTE QUASE SEMPRE EVITÁVEL



Uma pesquisa desenvolvida pela pediatra e alergista Raquel Pitchon dos Reis apontou que houve redução considerável da mortalidade por asma em crianças e adolescentes até 19 anos, durante o período de 1996 a 2015 no Brasil. A taxa de mortalidade, que chegou a 0,57 a cada 100 mil crianças e adolescentes, em 1997, foi de 0,21 em 100 mil em 2014.

 

O estudo, orientado pela professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG, Cristina Gonçalves Alvim, foi defendido como mestrado no programa de Pós-graduação em Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Medicina da UFMG, e utilizou dados do DataSUS, Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde que disponibiliza dados de saúde do país para a população.

 

Durante o período, ocorreram 5.014 óbitos por asma na população investigada. De acordo com a pesquisadora, as taxas de mortalidade, mesmo a mais alta, em 1997, estão dentro dos números mundiais considerados aceitáveis, que seriam de até 0,7 em 100 mil. “Entretanto, quando vamos avaliar por faixa etária, o grupo de crianças até cinco anos ultrapassa esse número, que atingiu o seu maior patamar em 2005 ao atingir 1,48/100.000 e em 2015 reduziu para 0,95/100.000” afirma.

 

A pesquisa mostrou que 68% das mortes por asma ocorreram em crianças abaixo de cinco anos. “Temos algumas hipóteses que podem justificar esse dado como, por exemplo, o diagnóstico difícil de asma nessa idade. A doença nessa fase pode ser confundida com outras, levando ao atraso de tratamento ou até a tratamentos inadequados”, conta Raquel.

 

A pediatra também alerta para a sazonalidade brasileira, ou seja, o período do ano em que há mais crises asmáticas. “De maio a julho é quando foram registradas mais mortes nesses vinte anos analisados. Temos mais doenças respiratórias virais, como gripes e resfriados, que são desencadeantes de crises asmáticas”, explica Raquel.

 

Fatores de risco

Segundo Raquel, os fatores mais preocupantes com relação à asma são a falta de orientação relativa à doença e o mau uso de medicamentos. “A primeira falha é na percepção da gravidade da doença e das crises. Muitas vezes as crianças e adolescentes são medicados com substâncias que não tratam a asma em si. Xaropes, medicações caseiras entre outros podem agravar o quadro”, alerta a pediatra.

 

Para ela, também há insuficiência na educação tanto da equipe dos profissionais de saúde quanto das famílias e dos próprios pacientes em relação à doença e como administrar a medicação. “Hoje, para quem tem asma, é importante fazer o tratamento de prevenção com o uso de corticoide inalatório, através do uso das populares bombinhas, que reduz a inflamação nas vias respiratórias causadas pela doença, e não só tratar as crises”, orienta.

 

Há ainda o problema do uso excessivo de medicamentos. “O paciente que não faz o tratamento preventivo e, em contrapartida, utiliza apenas o salbutamol, medicamento para tratar crises, agrava o quadro da doença”, afirma a médica. Raquel sugere que a pessoa com asma carregue consigo um “plano de ação”, elaborado por um médico, que apresente as especificidades da doença, e oriente pessoas e profissionais em como agir em caso de uma crise. “Às vezes as crises podem começar de forma muito agressiva, e ter esse plano pode diminuir o risco de morte”, conclui.

 

Acesso ao cuidado

De acordo com Raquel, o estudo apontou que cerca de 20% das mortes ocorreram fora do ambiente hospitalar. “O dado nos surpreendeu. O desejável é que toda criança tenha acesso a um cuidado excelente. Em um ambiente onde existem todas as possibilidades de assistência e cuidado reduziríamos consideravelmente a chance de morte”, lamenta a médica. Em adolescentes entre 10 e 19 anos, essa taxa é ainda maior, e chega a 26%.

 

Para a pediatra a adolescência é um momento de aumento de vulnerabilidade por causa de acesso a saúde, como em outras doenças crônicas. “Muitas vezes o adolescente não tem adesão a um serviço de saúde, não faz acompanhamento e controle da doença. O uso do medicamento também pode ser falho. Uma das características talvez mais marcantes para essa faixa etária seja a falta da percepção do risco de uma crise de asma”, revela.

 

Vigilância dos dados

Para a pesquisadora, estar atento a dados pode alertar sobre possibilidades de novas epidemias. “Historicamente, ocorreram dois picos de morte por asma. Um na década de 1960, que foi associado a um medicamento chamado isoprenalina. Esse medicamento tinha toxidade cardíaca”, explica. De acordo com ela, houve outro evento em 1980, em que acreditava-se estar relacionado com fenoterol, medicamento que ainda hoje é utilizado. Entretanto o pico aconteceu em lugares do mundo, como os Estados Unidos, onde o medicamento não era liberado, o que dificultou determinar essa relação.

 

Ela reforça a importância de estudos de dados para estabelecer os grupos vulneráveis que precisam de maior atenção. “No caso do Brasil, percebemos que os grupos de maior vulnerabilidade são crianças abaixo dos cinco anos e os adolescentes que estão morrendo mais fora do hospital” reforça. “O objetivo é que nos foquemos nos lugares que sabemos ser problemáticos, reconhecer essas questões e evoluir para tornar a mortalidade por asma zero ou muito próxima do zero”, conclui a pesquisadora.

 

Mortalidade por asma em crianças e adolescentes no Brasil ao longo de vinte anos (1996 – 2015)

Autor: Raquel Pitchon dos Reis

Nível: Mestrado

Programa: Saúde da Criança e do Adolescente

Orientador: Cristina Gonçalves Alvim

Coorientador: Cláudia Ribeiro de Andrade

Data da defesa: 16 de fevereiro de 2018